26/04/13

O particípio

Cada passo que eu dou, quando lá estou e me aventuro por aquelas ruas (desta vez com um pequeno mapa desenhado à mão), naquele silêncio de folhagens sacudidas pelo vento e sob o sol alto, é entrecortado pelas familiaridades de passados não tão longínquos, porque vívidos, e esta euforia de um presente ávido, contido pelo pescoço para que se acalme.
Baixo os olhos e aprecio a calçada de traços reforçados a musgo, enquanto as casas e os seus jardins, assim expostos ao sol, me lembram os passeios, a pé, nos caminhos escaldantes de Faro, até ao centro, depois do almoço.
Mais perto de casa, os pormenores de uma infância, nos setenta, impressos nos padrões de azulejos, na textura das paredes ou na traça das varandas.
Depois, já naquele espaço privado, tão particular, sinto, sob os pés descalços, a madeira agrupada nos cinco tacos, por cinco, e reconheço tantas coisas de mim e dos meus, que é como se me revisse, em rapaz. Cada cor, cada opção. Como se, afinal, houvesse algo que trespassa o género; uma identidade própria, reconhecível, que me acalma e me promete que as histórias não se perpetuam.
E, da mesma forma que surge, inesperada, em mim, uma confiança nesse modo de funcionar, deixo intactos todos esses espaços, esses objectos, que sempre lá estiveram e sempre hão-de estar, porque não há nada que eu julgue impossível de compreender, nada que eu precise de descobrir. Tudo o que existe eu sei. Porque sou.

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