11/01/12

Bater no ceguinho

A propósito desta notícia aqui, lembrei-me logo desta história:

Era uma vez uma menina muito bonita e muito inteligente. Era a melhor aluna da escola, portava-se bem e não dava desgostos aos pais.
Estudou, cresceu e licenciou-se numa conceituada universidade de Lisboa. Dali saiu para o mercado de trabalho e fazia o que queria. Trabalhava que nem uma moura mas era a única vida que tinha. Satisfazia-a o trabalho e o belíssimo ordenado ao fim do mês. As perspectivas eram as melhores. Era uma óptima profissional e para onde quer que olhasse não havia fim à vista. Em casa só tinha um cão, com quem dormia para o compensar da vida que tinha, sempre sozinho à espera que a dona chegasse.
Um dia apaixonou-se por um menino muito lindo que nunca tinha sido grande aluno e casou-se. Ao engravidar questionou-se sobre a sua vida futura, com uma criança a caminho. Dado o alucinante ritmo de trabalho e as condições em que este decorria, demitiu-se. Jamais poria em risco a viabilidade da gravidez em curso.
O príncipe encantado achou por bem sustentar a família como se não houvesse amanhã, o que seria de louvar caso o amanhã em causa não fosse apenas o futuro profissional da menina.
A menina, agora mãe, depois de se ver sozinha (com a criança), como o cão, sempre à espera que o dono chegasse a casa e de ter ficado um bocado baralhada com as voltas que a vida dera, tratou de mandar o príncipe às urtigas e, com a criança às costas (porque cada vez que ia à creche ficava doente), redefiniu o futuro com as novas condicionantes que o presente lhe oferecia. Já não podia fazer os mesmos horários mirabolantes que antigamente e por isso arranjou um novo trabalho, felizmente bem pago!
Um dia a criança adoeceu um pouco mais, depois de ter apanhado todas as viroses disponíveis num curto período de tempo e a menina teve que, a pedido dos curandeiros, ter disponibilidade para ficar com ela de Dezembro à Primavera. Mandou outra vez o trabalho à fava e eliminou outra profissão da sua outrora vasta lista de possibilidades.
Mas tudo se voltou a recompor, por mais alguns anos, e ainda com a criança muitas vezes às costas, lá começou e evoluiu, com o brilhantismo do costume, noutra nova profissão.
8 anos passados sobre a primeira história de amor, apaixonou-se de novo, por outro príncipe.
Este também não tinha sido tão bom aluno como ela, nem tão inspirado, mas tinha tido a sorte de ter uma família que lhe colocara à disposição o sucesso pronto a ser agarrado. Assim, destronou o pai do império que este havia construído (enquanto a mãe sucumbia aos novos direitos e deveres das mulheres e, ao mesmo tempo, abraçava as tarefas que tradicionalmente continuavam destinadas apenas ao sexo feminino, pelo menos naquela família) e avançou a eito pela sua profissão, depois de ir ao estrangeiro aprender rapidamente os meneios daquele ofício, numa pós-graduação sem licenciatura.
Juntos fizeram outra criança, mas desde logo a menina se viu sozinha outra vez no que dizia respeito a cuidar da cria. Agora, com duas crianças ao colo, começava a ser difícil fazer mais qualquer coisa com os braços porque nenhum deles estava livre.
Desta vez as restrições eram tantas, com duas crianças e mais um príncipe muito (tanto!!) atarefado fora de casa, que a menina, que entretanto também fora envelhecendo, começava a não saber por onde iniciar outra profissão (coisa em que se tinha especializado cada vez que se apaixonava).
Revoltada com a história de desencantar, pegou nas suas filhinhas e regressou para a casa que o pai lhe emprestava cada vez que alguma coisa lhe corria mal.
E assim, aos 37 anos de idade, muito dotada, inteligente e pobre porque não fizera fortuna pessoal, passava os seus dias a tentar sobreviver entre o trabalho que arranjara e que lhe possibilitava tratar das suas criancinhas, a limpar a casa porque não tinha dinheiro para empregada (coisa que os príncipes contratavam aos pares), a lavar a loiça à mão porque a máquina se avariara, a rezar para que o carro não avariasse de vez para poder continuar a levar as meninas à escola e a depender outra vez da boa vontade dos seus próprios pais que, não sendo avós com tempo disponível como aqueles das histórias, pelo menos tinham tido uma profissão decente que lhes oferecia ainda umas dignas reformas.
Os príncipes, esses, continuaram a construir os seus impérios, nos seus belos cavalos brancos turbo, e a acenar ao povo com as suas filhinhas cada vez que estas os visitavam.
Assim se prova que quem vence na vida são os Manelinhos merceeiros. As Mafaldinhas vêem-se transformadas em Susaninhas, a tratar dos filhinhos, enquanto não forem à falência com aquilo que conseguirem auferir no tempo livre da maternidade dedicada e as esmolas que os Manelinhos se virem obrigados a comparticipar.
Percebem?
Mas se quiserem andar sorridentes há sempre uns comprimidinhos que ajudam a alcançar o objectivo, desde que tenham dinheiro para os pagar.
Victória, victória, acabou-se a história! Com c ou sem c, embora os principezinhos nunca se tenham preocupado muito com isso...

4 comentários:

  1. Se a pessoa que comentou este post como "anónimo" às 18:57 de 18 Jan quiser fazer o favor de se identificar devidamente, eu terei muito gosto em autorizar a publicação do comentário e respoder. Tem é que me dar tempo para responder adequadamente às questões que levanta, se fizer o favor.
    Obrigada.

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  2. Olá Lia
    Quando fui mãe em 2007 lia o teu blog 5 au sac e adorava. Entretanto, circunstâncias da vida deixei de ler, mas hoje, através de um link descobri-te aqui no Tolice. Estou a adorar. Força.

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