(Por favor vejam as imagens até ao fim. Obrigada!)
Booom... Tenho que saltar deste torpor para sair em defesa e aclamação do último Almodóvar... sim, porque a cena cultural não sossega enquanto eu não o fizer e a intelligentzia avança na ostracização do homem!.. Valha-lhe a emancipação sexual ou estaria feito...
Devia ter escrito isto na noite em que vi o filme mas o cansaço era tanto que já não conseguia articular palavra. Hoje continuo a não conseguir e perdi a exaltação dos sentidos e a estimulação das sinapses, pelo que perdi tempo.
La Piel que Habito é das melhores coisinhas que tenho visto (e o que eu tenho visto!!.) e arrancou-me à modorra da noite de quinta-feira passada sem que eu tenha tido tempo para o prever!
Eu não sei de que é que toda a gente estava à espera, se é que alguém estava à espera de alguma coisa. O realizador saíu da zona de conforto de uma certa ambiência onde os seus filmes normalmente decorrem mas está lá tudo o que compõe o seu universo. E mais.
Há uma estranheza em tudo mas o desconforto e o "corpo estranho" são também a essência do filme. Isso e uma imeeensa cultura visual e de vida, mais - neste filme - do que o salero da cultura espanhola (iolé!) que normalmente nos arrebata em Almodóvar.
Eu não sei se é porque, claro está, todos tempos backgrounds diferentes (vou começar já a agarrar argumentos para compreender o vosso desapontamento), se é porque temos também diferentes maneiras de abraçar a vida e o presente, enfim... é certo que o que para muitos pode ter sido um espaço morto ou vazio, no filme, para mim foi de uma opulência e riqueza absolutas (não estou a falar de ostentação).
Aquilo está cheio de referências a toda uma cultura visual, artística... e embora as haja muito evidentes, como na imagem em que a personagem interpretada por Banderas se reclina em frente à de Anaya (Déjeuner sur l’Herbe de Manet, por exemplo, ou qualquer Vénus reclinada), todo o filme é um chiaroscuro! As naturezas mortas estão por toda a parte (em particular na cena em que Paredes recolhe os meios citrinos espalhados pela bancada da cozinha) e estão lá todos os Museus de Espanha! O Prado inteirinho, o Thyssen Bornemisza e o Reina Sophia pelo menos! As texturas, a composição e a cor jogadas com perfeição pelas mãos de José Luis Alcaine (qual é o problema com o consensual, expliquem-me! É isso? Too mainstream?)!
Fora isso, e porque não pertenço à corrente d'"O Cinema Não é Narrativa" (salvo raríssimas excepções como o Pina, por exemplo), nem a corrente nenhuma - em boa verdade - porque eu não sou da Escola de Cinema, agrada-me bestialmente que este seja um filme cheio de intenção (e intensão!) .
Por um lado, falo de intenções, tudo concorre para um mesmo fim. Todos os elementos falam a mesma linguagem. A fotografia, a música (magistral Alberto Iglesias) e a direcção de actores! Boa direcção de Arte! Existe um propósito que flui (no outro dia vi um filme - Le Gamin en Vélo, dos irmãos Dardenne, de quem o Paulo Branco e muita gente, pelos vistos, gosta muito - onde não havia intenção nenhuma! Nada! Nem contrução de personagens, nem uma linguagem que fizesse sentido... Zero! Então a música aparecia aos trambolhões, num registo épico, para "assinalar" - dizia o Dardenne que veio falar ao Monumental - "os momentos" do rapaz... pois sim, está bem!..). Por outro, existe um drama, uma narrativa contruída em intensão, onde tudo é cénica e encenação, onde o sangue pulula nas artérias! O Banderas que desce a escadas como el matadór, os olhos raiados da Anaya, piscos e nervosos como um passarinho ofegante preso dentro daquele corpo e atrás daquela pele serena e plácida (a pós-produção vídeo, o blur aplicado a toda a superfície da sua pele, sem qualquer ruga ou textura porosa, ao contrário da pele de todas as outras personagens, a realçar o efeito)... o grotesco (o Tigre; o corpo violentado de Vicente, por Ledgard; o corpo de Vera violado por Zeca), a mãe (as mães) e o seu estranho sentido de justiça...
E há ainda a subversão - tão humana - dos conceitos (somente humanos) como o bom, o mau (e o vilão!), a força e a vulnerabilidade. Por força do amor e da paixão. Tudo é humano, tudo é carne. E pele.
O lado Frankenstein da coisa não assusta e o filme não é um filme de terror (ao contrário do que algumas montagens de trailler ou fotografias possam sugerir). É um filme envolvente, incómodo e estranho, surpreendente e belo. Eu deliciei-me e dei por mim de boca aberta e sorrindo, muitas vezes.
Por fim, a Elena Anaya é lindíssima, a Marisa Paredes é sempre boa, o Banderas continua bestial filmado pelo Espanhol - que interessante ver como os anos passam e como lhe ficam bem à pele! :)
E o Almodóvar é o maior!
E o Almodóvar é o maior!
As últimas três imagens são obras de Manet e não integram, elas próprias, o filme. Mas aquilo tem Manet por todos os lados (ou por todos os poros, se quiserem!).
Está aqui tudo o que me havias dito e algo mais. Para quem não te conheça, esta ÉS TU :)
ResponderEliminarMas como bem sabes tive uma reação diferente ao ver o Almodóvar. Existe um negrume interior no seu cinema dos últimos anos (sendo VOLVER uma quase excepção) que vejo como pose de artista consagrado. Os filmes são cada vez melhor acabados, têm inúmeros sinais reveladores da cultura visual do cineasta espanhol, mas sinto sempre a falta de uma ligação ao pulsar da vida que existia, e como existia, nas obras até ao ATA-ME. É como se Almodóvar se tivesse atirado para o precipício da arte e do cinema e já de lá não conseguisse sair com qualquer coisa sua. Não é nada que me dê prazer dizer ou escrever, mas sinto-o perdido, e o virtuosismo formal não esconde o cadáver.
ResponderEliminarMas é sempre melhor gostar que não gostar, e nisso invejo-te.
Cariño!
Oh, não acho nada!.. Mas está bem! :)
ResponderEliminar(tenho que tirar a fotografia loira dali...)
ResponderEliminarSe calhar foi o tal 'grotesco' que me afastou do filme. Mas aquela personagem do Zeca está lá a que propósito?
ResponderEliminarPara mostrar o fato, ora essa! :D
ResponderEliminarNão, não sei, não estranhei que aparecesse... repetiu a história do passado (que tivera com a mulher que morreu), mostrou o quanto a Vera era parecida com a outra, cobiçou a mulher do irmão, maltratou a mãe, foi objecto de fratricídio e da própria justiça materna... até me parece que foi catalisador de vários acontecimentos. Talvez, no entanto, tudo tenha acontecido num período de tempo demasiado concentrado, relativamente a toda a narrativa... talvez isso cause um desequilíbrio. E, claro, a história decorreria à mesma sem ele.
Não sei!.. :)
'Para mostrar o fato' é a opção correcta.
ResponderEliminar:)
Ahahahahhah!
ResponderEliminarOhpa!! Acabei de ver o filme e vim direitinha aqui! Belo e incómodo, é tudo o que sei dizer. Nao o descrevo tao bem como tu mas é isso mesmo.
ResponderEliminarEla é linda. Tem boca e olhos daqueles corpos humanos sem pele dos livros de ciencias.
Mesmo sem o salero -que tambem adoro- o almodovar é o maior!
Maria
(eu! A vidigal! Ja que agora nao tenho morada blogueira...)
O meu comentario ficará visível após aprovação? :P
ResponderEliminar:D opá, pois, tirei o registo obrigatório e pus a moderação.... achas que tire? Tá bem!... :)
ResponderEliminaroh, tu é que mandas aqui no pedaço!
ResponderEliminareu tava a brincar ;)
Belíssima crítica! Tenho acompanhado Almodóvar e os últimos filmes acabam sempre por surpreender-me... demorei a ver este, mas agora será impossível esquecê-lo. Mais do que apreciar o quadro completo, achei cada detalhe digno de admiração, muito bom.
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