14/10/11

tricota, tricota*



Bom, então fui ver o Sangue do Meu Sangue, a versão do realizador (190 minutos vs os 140 da versão comercial) e, não estando, se calhar, num dia particularmente inspirado, não queria deixar de falar disso (não fossem os meus três leitores - o meu amor, a minha prima e outro que ainda não consegui descortinar - estranhar a ausência de comentário).

É um bom filme mas é um filme duríssimo e a pessoa tem tendência a sair de lá exangue, exausta, esgotada e com a sensação de que sofreu uma espécie de lavagem, enxurrada emocional...

Não me lembro de ter visto outro filme português em que tenha gostado tanto do trabalho dos actores (falta-me ver os outros canijos) e sendo a construção de personagens um dos aspectos a que mais importância atribuo num filme estaria bem servida.

À excepção de um Marcello Urgeghe que nem percebo porque consta do elenco (não há actores bonitos?), ridiculamente monocórdico e cheio de afectação, com tanta expressividade que não fora *spoiler* terem-nos dito que é pai da rapariga que anda a comer *fim-de-spoiler* nunca teríamos acreditado que lhe tinha sido feita essa revelação, e de uma Beatriz Batarda que, caramba, percebo porque faz parte de qualquer elenco mas aqui não concretizou, todos os actores (e não actores) convencem e impressionam.

O Fernando Luís está divino, o puto (Rafael Morais) está muito bem, assim como o Nuno Lopes, claro. Mas é também evidente que o filme pertence às mulheres, embora elas sejam, na acção, joguetes nas mãos dos homens que as maltratam e desrespeitam (na sua maioria absoluta).

A Anabela Moreira encheu-me as medidas, a Cleia Almeida e a Teresa Tavares também. A Teresa Madruga não precisa de muito para mostrar o que vale (não teve mais tempo de cena que a Batarda e que diferença...) e a Rita Blanco, bem, a Rita Blanco não precisa que muita coisa seja dita a seu respeito, acho eu... eu tenho alguma dificuldade em desmarcar-me de uma imagem que tenho dela enquanto pessoa (a actriz) e muitas vezes isso transporta-se para as personagens que ela encarna. Mas que existe uma "Márica Fialho" (a personagem) bem construída, credível, com vida e respiração própria, existe. Aliás, as personagens estão todas elas maravilhosamente construídas, as posturas físicas, a representação e o pormenor. Adivinham-se características pessoais em todas elas, passado e história próprias que transcendem o filme e o antecedem e ultrapassam, como se, de facto, apenas assistíssemos a pequenos frames da vida daquelas pessoas. Isso é daquelas coisas que constam de qualquer manual de actor e personagem. Mas que nem sempre acontecem.

Quanto ao resto, não sendo eu especialista em cinema, nem formada em qualquer coisa que se relacione com isso, apetece-me apenas dizer que é cansativa a opção (quem sabe motivada pela opção de ter os planos filmados em cenário real - foram?) de ter quase sempre enquadramentos muito entrecortados ou emoldurados (moldura dentro da moldura, da moldura) por vãos de portas ou escadas, paredes que se sobrepõem...
Um pouco como a presença constante do som ambiente, do bairro, que invade o privado, os diálogos. Julgo que a opção (ambas as opções - de espaço e de som) se prende com o facto de assim melhor se perceber e sentir a confluência da vida do bairro e a de cada família ou pessoa que nele habita. A invasão das outras vidas na esfera privada, o ruído que elas trazem e a forma como todo o contexto interfere no dia-a-dia, dia após dia, na vida daqueles que ali habitam. Mas é cansativo, é. Também a vida! Pois é.

Ainda uma palavrinha para a questão da nudez e do sexo, que não é a mesma coisa.
A nudez insere-se no "naturalismo" do filme, embora pontue mais a nudez feminina. Vemos os seios e o sexo de várias actrizes e o rabo de dois actores... isso é uma coisa que me desconsola! Não porque quisesse ver mais - vi mais do que queria - mas porque há esse desequilíbrio. Mas sendo o realizador homem e havendo todo um cunho artístico e pessoal, bom, é o seu ponto de vista e nada a argumentar.
O que eu não percebo mesmo é a opção do acto sexual exibido menos a partir de uma coreografia encenada e mais a partir da própria intimidade dos actores... é uma coisa difícil de vos explicar mas que, ainda assim, tento. Para quê? Para quem? Insere-se na linguagem do filme? Sim. Acrescenta incómodo? Sim. Pelo motivo desejado? Não sei.

Falta ainda acrescentar que as mulheres do filme me pareceram todas belas, ainda que aparentemente descuidadas ou envolvidas por um ambiente "sujo". Li algures que a Rita Blanco se tinha visto e achado "feia" e percebo o que quer dizer. Mas não deixa de ser bela, há qualquer coisa nela muito para além do óbvio. E tem muita graça. No meio de toda a desgraça. Ainda soltei umas boas gargalhadas antes de ter sido esmagada pelo fim cavalgante.

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*eu queria era encontrar uma onomatopeia para o som das agulhas a tricotar porque isto não passa de uma conversa de comadres.

1 comentário:

  1. belissima revisão! para não especialista fiquei fã. principalmente porque tendo visto o filme revi-me no essencial da opinião. só no sexo achei demais. a exploração dele não contribuiu para a acrescentar nada. foi o unica coisa que não gostei por achar demais.
    ***
    a quarta leitora :)

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